terça-feira, 11 de janeiro de 2011

Pilotando a própria vida

A nossa herança judaico-cristã nos deixou um padrão fatalista de sobrevivência que, muitas vezes, nos congela na tomada de decisões ousadas que poderiam transformar completamente o estilo de vida que levamos.

Há uma dicotomia construída no imaginário coletivo que nos faz associar prosperidade financeira com materialismo e pobreza com solidariedade como se esta fosse uma regra imutável.  Esta dicotomia está mais impregnada na sociedade do que imaginamos e  é esta mentalidade que impede muitas pessoas de tomarem decisões importantes que darão uma "virada radical" nas suas próprias vidas.


Fork in the road (Garfo na estrada)! Essa é uma expressão usada pelos ingleses para dizer que no caminho haverá uma bifurcação, será impossível manter o rumo de antes, uma decisão terá que ser feita por uma das possibilidades adiante. A expressão é usada como metáfora para importantes decisões na vida que temos que tomar. 

Você está olhando adiante e não se anima com o futuro que está chegando. É hora de mudar, mas não se muda de rumo, principalmente se você vinha em alta velocidade, sem planejar cada movimento. É necessário olhar o caminho o mais longe que a vista alcança, perceber onde está a possibilidade de virada, reduzir a velocidade, fazer a curva, às vezes dar uma parada estratégica para não colidir com os veículos que vêm no sentido oposto, decidir o caminho que vai tomar, e, só então prosseguir.


Pilotar a própria vida, por si só, é uma senhora mudança. Depois de passarmos anos dirigindo o carro da vida dos outros e só percorrendo os caminhos que eles nos ordenavam, por vezes nos acomodamos naquela posição de tal forma que nem nos demos conta que aquele carro não era nosso, que aquele caminho jamais seria o que nós escolheríamos.

Você é piloto da própria vida?

terça-feira, 4 de janeiro de 2011

Essência organizacional e responsabilidade social



Lília Dias Marianno[i]

Em artigo publicado na revista O mundo da saúde[ii], Christian de Paul de Barchifontaine[iii]  nos traz uma interessante reflexão sobre a Espiritualidade Empresarial (ou Organizacional como prefiro chamar, mas confesso que ainda estou buscando um termo mais preciso como Essência Organizacional), tema  que tenho me dedicado a pesquisar, refletir e a estabelecer novos desdobramentos nos últimos meses.
Recentemente, numa aula de Ética e Responsabilidade Social que unia duas turmas do MBA em Gestão Empresarial e do MBA em Recursos Humanos na Universidade onde leciono, fizemos algumas perguntas ao texto mencionado e algumas considerações resultantes do debate deram origem a novo desdobramento do assunto que apresento aqui. Sou grata aos alunos dos dois cursos que participaram dos debates pelas contribuições nesta discussão.
O autor divide sua comunicação em oito tópicos. Farei aqui uma resenha do seu texto para que o leitor tenha uma noção mais lúcida dos pontos de convergência, de inflexão e de divergência que estabelecerei neste diálogo.

i. Introdução e conceituação

Nas partes (1) introdutória e (2) conceitual, De Barchifontaine fala de como o tema  da espiritualidade no trabalho está conseguindo se descolar, aos poucos, do imaginário religioso e místico e está conseguindo, se inserir na dimensão estratégica que amplia a noção da missão da empresa e da atuação das pessoas que nelas estão inseridas.
“Quando elas têm essa consciência, a conseqüência é que fluem com maior facilidade os fatores mais buscados pelos executivos das organizações: a motivação, o desempenho, o espírito de equipe, a comunicação eficaz a qualidade, o foco no cliente, o estar de bem com a vida”.[iv]
De Barchifontaine conceitua espiritualidade como “a busca de um sentido de vida e na vida (...)  na empresa significa a razão de existir da empresa”. E sobre Responsabilidade Social ele diz:
“ seria a forma ordenada e responsável que a empresa adota para desenvolver suas ações, suas políticas, suas práticas, suas atitudes, tanto com a comunidade quanto com o seu corpo funcional”[v]

ii. Globalização, centralidade no econômico e crise de humanismo

Nos tópicos seguintes De Barchifontaine discorre sobre três assuntos que ele conecta propositalmente:  (3) Globalização, (4) Centralidade do econômico em detrimento do social, e (5) Crise de humanismo. 
Globalização ele define como: um processo unificador de todos os mercados do mundo, articulado pelas multinacionais, no qual as regras de mercado sobrepujarão os regulamentos estabelecidos pelos governos dos países. Para o autor, o liberalismo trouxe grandes contribuições para a quebra do absolutismo e do autoritarismo na política, todavia o neoliberalismo tem agido para tornar a gestão do Estado cada vez mais negligente em relação ao social, pois é no Estado que se realizam grandes cortes de despesas. Ele afirma que a lógica da exclusão é o princípio de funcionamento do modelo econômico-político neocapitalista, que gera mais bolsões de miséria enquanto aumenta a estratificação econômica da sociedade. Afirma categoricamente que, ao favorecer a apropriação privativa dos recursos naturais e ao explorar a força de trabalho enquanto expande este mercado integrado e homogêneo, a globalização se torna o novo projeto de dominação, sendo uma tragédia para grande parte da humanidade.
Sobre centralidade do econômico em detrimento do social, o autor acredita que a racionalidade econômica é abstrata, seca e despersonalizada e não se envolve com o social. Para ele, o sistema econômico globalizado está criando a religião da mercadoria e a espiritualidade do mercado, tornando-se num sistema de consumo idolátrico no qual o dogma central é: “o dinheiro tudo pode, move o céu e a terra”. Os templos desta religião são os bancos, seus sacerdotes são os banqueiros e financistas. Os grandes shoppings se transformaram em espaços da romaria desta religião.

“...torna-se estranho falar de eficiência social como condição significativa à eficiência econômica. Hoje, são os economistas que mais falam dos sacrifícios necessários para a salvação. Os economistas afirmam que fora do mercado não há salvação”.[vi]

Quanto à crise de humanismo, o autor menciona que a sociedade atravessa grandes e rápidas transformações em muitas áreas diferentes,  e pergunta a seus leitores se seria possível passar de uma globalização excludente para uma globalização de solidariedade.  Para o autor, as empresas deveriam se preocupar com a humanização da sociedade como um todo, pois uma sociedade que é má, violenta e excludente acaba se refletindo na empresa, que terá empregados também maus, violentos e excludentes.
“O contexto macro influi de modo contundente no condicionamento e determinação da cultura, relacionamentos no contexto micro das empresas. Estas são um espelho fiel e cruel do que de mais nobre, lindo, heróico e fantástico a sociedade produz, bem como o que nela existe de mais degradante e aviltante em relação ao ser humano (...) entramos num círculo vicioso de coisificação das pessoas humanas e sacralização das coisas, inversão cruel dos valores”[vii]

iii. Espiritualidade nas empresas, algumas considerações e conclusão

No ultimo bloco, depois desta longa crítica ao sistema globalizado e à lógica de mercado, De Barchifontaine finalmente lança algumas propostas nos tópicos (6) Espiritualidade nas empresas?  (7) Algumas Considerações e (8) Concluindo. Temos as seguintes propostas do autor:







  1.          A espiritualidade na empresa deve referir-se primeiramente em respeito à vida, considerando o ser humano na sua integralidade;
  2. Por isso a empresa deve investir em todas as dimensões do  ser humano: física, intelectual, emocional e espiritual, criando uma cultura corporativa sustentada em valores, na qual a ética e os valores humanos universais iluminarão as decisões estratégicas, políticas e todos os relacionamentos na e da organização;
  3. A empresa é um organismo que precisa descobrir a dimensão transcendental que existe em sua identidade, em sua razão de existir, em sua missão;
  4.  Relações com clientes devem ser parcerias duradouras, tendo a colaboração mútua, a ética e a confiança como base destes relacionamentos;
  5. A organização precisa assumir seu papel de cidadã responsável e suas ações causarão orgulho  à sociedade e à seus colaboradores.
  6.  A empresa deve explorar a criatividade das pessoas que dela participam para promover espiritualidade através de outros mecanismos.


“A espiritualidade é o pilar pois é ela que deve dar sustentação às causas humanistas. Não há espiritualidade sem humanização”[viii]

Finalizando, o autor considera que a empresa deve evitar ser dominada pelo  jogo da espiritualidade do mercado, no qual o aumento da produtividade é o foco e não o bem das pessoas. Ele também considera que muitos empresários tem viajado o mundo inteiro para expandir seus negócios, mas não viajam para dentro do seu interior, em busca do sentido de sua própria existência, de seu papel a ser desempenhado nesta vida. A empresa não deve viver para si, mas deve viver para a sociedade e uma verdadeira espiritualidade empresarial tem que partir da cúpula, pois nenhum empregado assumirá uma visão que seus executivos não assumiram. Se empresa focar no desenvolvimento de uma espiritualidade no trabalho isso terá implicações diretas na relação com os clientes, na visão de resultados, na liderança, na gestão de pessoas, no meio ambiente, na educação e no desenvolvimento do bem estar físico, social, emocional e espiritual de suas pessoas.
“Nossa vida é fragmentada. Fragmentar significa perder (...) os gerenciadores muitas vezes optam pelo foco técnico e perdem o potencial contido dentro do humano (...) o sentido de fraternidade tão caro a todas as correntes espirituais se manifesta sob o nome de trabalho em equipe, espírito de equipe...” [ix]
Nesta resenha do texto Espiritualidade nas Empresas pudemos ter uma noção geral da visão crítica do autor sobre a globalização e também de suas propostas diretamente relacionadas à ética organizacional no que diz respeito à missão, visão e valores da organização, seja esta organização de qualquer natureza.

Ponderações sobre o conceito de globalização em De Barchifontaine

Por ter trabalhado num ambiente que lida com a dimensão religiosa e com a espiritualidade dentro do campo filosófico, consigo compreender a dura crítica que o autor faz ao sistema de mercado e à globalização, principalmente quando visualizo sua experiência enquanto gestor numa instituição de ensino superior mantida por uma ordem religiosa, quando escreveu este artigo.
Por isso também consigo compreender a visão drástica, quase apocalíptica, com a qual o autor compreende a globalização e também a indiferença do mesmo quanto a alguns aspectos da globalização que enfocarei mais adiante, que não são tão drásticos e que potencialmente nos oferecem vantagens para o trato da espiritualidade na organização.
De início me preocupa o reducionismo com o qual ele trata um conceito tão plural quanto é o de globalização, sem levar em conta a diversidade de suas nuances e suas aplicabilidades nas áreas que não sejam a da lógica de mercado. Penso mesmo que em vários momentos ele estabelece confusão entre globalização e lógica de mercado, amalgamando conceitos que não entendo que sejam tão unidos. Há questões muito relevantes da cultura e sociedade globalizada que o autor não mencionou quando aprofundou sua análise sobre o assunto.
Num segundo momento, me preocupa a forma como, não apenas globalização e lógica de mercado possuem etimologias muito particulares no imaginário do autor, como também aspectos conceituais do humanismo são tratados de forma simplista. Incluída nesta preocupação está o fato de o autor não estabelecido dialogo com outros autores quando fez sua exposição.
Todavia, há aspectos práticos, principalmente na terça parte final do artigo, muito interessantes, que fornecem uma boa base para discussão da essência organizacional, e penso mesmo que ele poderia ter concentrado mais argumento nesta parte. Como o autor não o fez, nossa iniciativa neste texto é aprofundar um pouco mais suas sugestões sobre o desenvolvimento de uma espiritualidade na empresa.


A finalidade organizacional e o tal Planejamento Estratégico

Durante meus anos de trabalho em gestão no Terceiro Setor participei de inúmeras atividades de Planejamento Estratégico, na definição de Missão, Visão e Valores nas Organizações, na Gestão de Processos e na Gestão de Projetos. Uma coisa sempre me incomodou: tudo que circundava estas atividades envolvia as pessoas - as pessoas que planejavam, as que executavam e as que eram objeto da atividade da organização. Mas nos planejamentos, essa pessoa era sempre coisificada. Entre organização e pessoa a organização invariavelmente tinha primazia e era personificada. Isso seria muito natural se estivéssemos falando de ambiente Corporativo ou da Administração Pública, cujas finalidades são lucro e poder, mas eu estou falando de Terceiro Setor, cuja finalidade deveria ser  Responsabilidade Social e Deveres das organizações. O Terceiro Setor é definido pela REBRATES como o setor que:

“corresponde às instituições com preocupações e práticas sociais, sem fins lucrativos, que geram bens e serviços de caráter público, tais como: ONGs, instituições religiosas, clubes de serviços, entidades beneficentes, centros sociais, organizações de voluntariado etc.”[x]

Se este paradoxo se estabelece entre organizações do Terceiro Setor o que poderíamos esperar do Primeiro Setor e do Segundo Setor? Neste sentido, penso que o autor demoniza exageradamente a globalização quando a chama de Projeto de Dominação. Este é um termo muito usado por Teólogos da Libertação quando se referem às lógicas econômicas por trás do poder nesta “Nova Ordem Mundial”, exercitando aquilo que se chama de hermenêutica econômica.  Vejo os efeitos da globalização muito mais como resultantes de um desdobramento histórico e social pelo qual a humanidade vem passando, do que como um sistema orquestrado pela grande mente maligna por trás do Sistema Econômico, como se este fosse uniforme e invariável. Isso me lembra um aluno que tive, que qualquer assunto para ele resultava numa grande polêmica sobre lógica de mercado e dominação econômica.
Deveríamos pensar em Sistemas Econômicos das Sociedades, pois esta lógica tem sentido na sociedade ocidental e nos países capitalistas. Esta lógica não tem qualquer inferência em sistemas econômicos de povos originais e culturas que não estão diretamente dependentes do Sistema Econômico mundial, e possuem suas próprias economias de subsistência com as quais realizaram poucas variações sociais ao longo de muitos séculos. Mesmo que tais culturas sejam contemporâneas à nossa e, em muitos casos, até mesmo conterrâneas a nós. Absolutizar os efeitos da lógica de mercado nas sociedades não deixa de ser um jeito primeiromundista, eurocentrado e caucasiano de se pensar a questão, pois ignora outras sociedades e culturas que, uma vez somadas, não são uma “minoria insignificante” da humanidade, muito pelo contrário.
Trabalhei por muitos semestres no ambiente acadêmico  explanando comportamentos intrínsecos, conscientes ou inconscientes dos sujeitos da sociedade pós-moderna. Como o autor, eu surrei o Sistema com pesadas críticas. Mas ao ler este texto eu comecei a visualizar o outro lado, talvez no desejo de estabelecer um contraponto ao autor e valorizar a plausibilidade de suas sugestões quanto à uma espiritualidade empresarial, que eu acredito ser possível, e que ela já é mais alvo das atenções das organizações atuais do que objetos de sua indiferença.
Quando se fala de Missão, Visão e Valores da organização, de forma direta ou indireta, todas as empresas se entendem prestando serviço à sociedade. De forma geral, a finalidade de qualquer empresa é oferecer serviços e produtos que ofereçam melhor qualidade de vida e conforto para o ser humano. Isso se aplica a uma grande companhia da área de petróleo e gás, que está extraindo recursos por meio do solo, que serão transformados em combustível, que será usado como energia utilizada por este mesmo ser humano. Também se aplica ao padeiro que buzina à nossa porta com o cesto da bicicleta repleto de pães e bolos fresquinhos para o café da tarde.  Se aplica à atividade daquele produtor caseiro de desinfetantes e cloro, cuja finalidade é a higiene e a saúde dos lugares onde residem seres humanos e animais domésticos. Também se aplica ao sistema bancário que, com seu acúmulo de capital financia construções de casas que estes seres humanos irão adquirir e morar e educação para aqueles que necessitam e etc.
Não estou com isso ignorando a exploração sobre o ser humano que a lógica de mercado e o poder econômico realizam, isto o autor já fez muito bem, estou apenas pesando o outro lado da questão, que entendo ter sido ignorado pelo autor. Pois não entendo que consigamos retirar das empresas suas finalidades de lucrar com a oferta de produtos e serviços, mesmo porque é deste lucro que também saem os salários dos seres humanos que nelas trabalham. Seria hipócrita de nossa parte dizer que este sistema não nos favorece em nada. Nós o endossamos e o alimentamos porque somos beneficiados por ele de alguma forma. Mesmo os mais espoliados pelo sistema, também são usuários de seus lucros quando tem acesso aos mesmos, e havendo oportunidade de mobilidade social, os excluídos também tentarão ascender dentro deste sistema.
O que quero questionar com isto é: temos condições de evitar que uma empresa não pense em ter lucro se ela foi criada com esta finalidade? Não estaríamos superestimando nossas expectativas ao esperar que a lógica espiritualizada que se estabeleça na empresa seja a mesma de uma instituição religiosa ou filantrópica? Sinceramente não acredito que consigamos fazer a empresa raciocinar assim, contra sua natureza. Mas há potenciais não otimizados neste processo que podemos e devemos explorar com energia, pois algo muito positivo pode sair desta mesma estrutura que tanto condenamos como lucrativa, como se o ser humano não gostasse de dinheiro.

Navegando nas provocações levantadas por  gestores contemporãneos

Neste meu bloco final de reflexão, gostaria de sinalizar, preliminarmente, alguns temas que,  desdobrarei  em ensaios específicos que serão publicados aqui, justamente para não ser injusta com as possibilidades de aprofundamentos que eles nos oferecem, pois são muito ricas. Neste exercício me é muito relevante acoplar algumas definições que percebo serem fala comum de alguns gestores reconhecidos no mercado.

 “ (...) Toda empresa é uma ficção jurídica. Na verdade o que temos são pessoas do lado de dentro servindo pessoas do lado de fora (...) Não podemos, como gestores, dividir o ser humano em fatias (...)

Motivada por esta fala, que vejo repetida na boca de tantos líderes, fico pensando sobre, o que nos falta, de fato, para criarmos nas empresas uma cultura mais humana e humanizante a respeito de seus serviços e produtos? Nos falta criatividade? Não creio. Me parece que falta apenas perspicácia de nossa parte, porque ainda não nos demos conta do quanto isso pode ser lucrativo para todos os lados. Ainda dependemos de pessoas voltadas para a espiritualidade que nos conscientizam de algo tão óbvio.
Quando De Barchifontaine estabeleceu uma crítica tão dura à globalização  e à lógica de mercado, me parece que ele optou por criticar um sistema que já foi criado com este fim e com a nossa anuência, ao invés de procurar aspectos positivos do próprio sistema, ou usar princípios elementares como este em favor de um Espiritualidade Organizacional, ou contra o próprio processo massificante estabelecido pelo Poder Econômico.
O desenvolvimento humano que cada empresa tem no seu foco final precisa ser mais trabalhado, tudo é questão de educação. Cultura é produto de um processo educacional subjacente aos símbolos, ritos e mitos de uma sociedade. Se queremos mudar uma cultura, precisamos trabalhar nestes elementos: símbolos, ritos e mitos de uma organização. A empresa quer lucro, mas se para explorar os recursos naturais ela o faz de forma irresponsável sem a visão holística de que tudo voltará para ela própria se ela esgotar os recursos, então devemos trabalhar isso com ferramentas educacionais.
A geração Y é ao mesmo tempo a geração que ocupa o grande mercado consumidor e também a força de trabalho dos dias atuais. Em recente nota publicada pelo SEBRAE se estima que a força empreendedora do país está na mão de 21 milhões de pessoas e uma maioria esmagadora deste percentual é de pessoas da geração Y. A geração Y ainda não amadureceu suficiente para compreender valores éticos na sua singularidade e especificidade. Embora não tendo amadurecido apropriadamente na questão ética, é esta geração que domina a tomada de decisões na atualidade. Mas esta geração também não conhece seus próprios valores, sua visão e missão,ela não tem referenciais nela própria.
Na junção destas duas informações é me veio a indagação que lancei aos meus alunos dos MBAs mencionados no início deste ensaio.  Quais recursos podemos utilizar com as pessoas de dentro de uma organização, que pertencem, em grande parte, à Geração Y, para que desenvolvam Missão, Visão e Valores para a empresa “EU-S/A” de cada um, e que tenham coerência com a Missão, Visão e Valores da própria Organização?
Isso tudo começou a “cozinhar um caldo” na minha cabeça quando confrontei a argumentação do autor do texto, com a fala de tantos outros gestores e com os trabalhos apresentados por duas empresas juniores na II Jornada promovida pelo CRA. Nesta jornada eu vi, empresas jovens, com empresários, todos muito jovens, pessoas com idades na casa dos 20 e poucos anos, desenvolvendo uma consciência de Responsabilidade Social em todos os projetos da organização que eles dirigiam, e isso me deixou um pouco perplexa porque eu estava diante de empresários da Geração Y e, contrariando tudo que De Barchifontaine argumentou e trazendo um componente novo  ao preconceito  que se constrói sobre a geração Y, havia compromisso social na Geração Y. Responsabilidade Social simplesmente impregnada em todos os poros da organização.
Percebi que, de fato, embora a Geração Y seja mais comprometida consigo mesma do que com a organização, quando se consegue fazer com que a Missão, Visão e Valores da organização se conectem com a Missão, Visão e Valores da vida pessoal deste empresário da Geração Y que toma decisões, o cenário muda completamente porque se transforma num projeto da empresa “EU – S/A”.
Fiquei me perguntando por que eu estava assistindo aos relatos, com muitas fotos e registros de experiências bem sucedidas, de empresas muito jovens (2 e 3 anos de atuação no mercado), com um nível de envolvimento com projetos sociais tão sérios e afinado com a razão de existir da própria Organização? Neste sentido os estudos sobre Pós-Modernidade que eu desenvolvi na docência do Ensino Superior me forneceram uma preciosa chave de leitura.
Pós-Modernidade (erroneamente chamada de globalização em alguns trechos do texto de De Barchifontaine) é um tempo de individualismo. Egoísmo e desinteresse pelo outro ser humano é um resultado natural deste momento da história humana. É um tempo no qual o ser humano mergulha dentro do próprio umbigo em busca de um auto conhecimento que por vezes se nos mostra febril.
Todavia, este excesso de auto-conhecimento e autovalorização tem um lado positivo. As pessoas que amadurecem nesta viagem, se amam mais e estão de bem consigo mesmas com mais frequência. Quando se está de bem consigo mesmo, se consegue olhar para o outro com um olhar diferenciado. Não de indiferença, mas de interesse no bem estar do outro também.
Por exemplo: quando foi que, na história da humanidade, se falou tanto em alteridade e solidariedade? Possivelmente o ser humano nunca esteve tão interessado no bem estar do outro ser humano como agora: em tempos Pós-Modernos, dominados pela lógica de mercado e pela globalização.
 Culparmos a globalização e a pós-modernidade como autoras de um individualismo único é uma ignorância histórica de outros movimentos promovidos pelo ser humano nas eras anteriores. Este individualismo sempre residiu no ser humano, desde a Antiguidade, passando pela Idade Média, Modernidade até os dias atuais. O ser humano nunca esteve programaticamente voltado para o bem estar do outro. O que estamos testemunhando agora é que a própria globalização propiciou uma consciência auto-crítica global de alteridade que esmurra a si mesma quando se torna indiferente ao processo de reconhecimento do outro. Isso é um potencial!
Vivemos um tempo de ambiguidade e bipolaridade comportamental, uma esquisofrenia sociológica. Há que se fazer um bom uso dos extremos desta polarização. O ser humano precisa se equilibrar entre a auto-estima e o narcisismo. Uma das características mais fortes da Pós-Modernidade é o pluralismo religioso (ao invés da extinção da religião profetizada pelos positivistas no séc. XVIII), é o aumento exacerbado da mística. Estamos vivendo um tempo de espiritualidade inerente a tudo que se faz. Com todo acesso à informação que a tecnologia nos oferece, ela mesma faz milhões de pessoas chorarem pela miséria do outro diante das telas de seus computadores. No século XVI isso "só incomodava" Lutero!
A globalização é culpada pela miséria ou a globalização acaba sendo a responsável por trazer uma consciência auto-crítica mundial e não apenas nas esferas pensantes encontradas na cúpula do Sistema? Será que ela não acaba criando ambiente favorável para uma crítica social mais forte, crítica esta que nunca se deu com eficiência em outros momentos da história, nem mesmo durante o Iluminismo, momento no qual a inteligência humana ficou tão valorizada, quase divinizada?
Bolsões de miséria estiveram presentes em toda a história da humanidade. Desde o início da Era Cristã, e antes, passando pelo feudalismo no período Medieval e pelo sistema de castas que até hoje predomina na Índia no qual não há mobilidade social. Mas nunca houve tanta gente fazendo crítica ao Sistema. Há um exército de críticos e outro exército de pessoas que tomam iniciativa crítica, dando soluções práticas aos questionamentos levantados por esta crítica.


Missão, visão e valores:  da organização ou da pessoa?

O autor do texto nos disse que a espiritualidade do mercado faz com que os templos sejam os bancos e instituições financeiras. Mas até essas organizações são desmanteladas e quebram. Não é à toa que temos notícias de tantas fusões e bancos menores sendo comprados pelos maiores. O desmantelamento é inerente a um tempo no qual todas as certezas anteriores se apoiaram em areia movediça.
O que experimentamos também é a indiferença. De certo, há muita gente indiferente. Há muitas empresas vestindo a camisa da Responsabilidade Social apenas para ter menos impostos a pagar, isso é inquestionável, mas na  Idade Média e Moderna, nem isso existia.
Se, de alguma forma, no  caminho para a obtenção  de lucro, as empresas acabarem atendendo às necessidades do ser humano e do planeta, já estamos com uma vantagem histórica sobre os milênios de existência da humanidade que não temos como quantificar os resultados. Resta-nos otimizar este potencial pois a população mundial é muito maior do que em séculos passados e exponencialmente maior é sua capacidade de devastação.
Por fim, se conseguirmos convencer a pessoa da Geração Y de que valores éticos ligados à Responsabilidade Social precisam compor a Missão, Visão e Valores da sua  empresa “EU- S/A”, teremos uma geração jovem, que tomará decisões no mercado nos próximos 10 – 20 anos, que estará educada a incluir a Responsabilidade Social no seu planejamento estratégico para a vida. Consequentemente as empresas não ficarão de fora, pois a Missão, Visão e Valores da empresa "Minha Vida", estará em harmonia com a Missão, Visão e Valores da Organização e a Missão da empresa/organização se tornará um paradigma de fé para o grupo que com ela colabora.
Difícil? Qual educação que é fácil? Impossível? Não creio!
Acompanhou meu raciocínio? Esse assunto ainda vai render nos ensaios futuros. Mas se você leu, te convido a interagir, deixe aqui seu comentário e vamos conversando.
Um video pra você pensar:




[i] Administradora com experiência em gestão de pessoas e gestão educacional,  possui mestrado em Ciências da Religião com longa experiência na docência do Ensino Superior e na gestão do Terceiro Setor.
[ii] DE BARCHIFONTAINE, Christian de Paul. Espiritualidade nas empresas. Em: O mundo da saúde. São Paulo, 2007, n. 31, vol. 2, p. 301-305.
[iii] O autor é enfermeiro, com mestrado em Administração Hospitalar e da Saúde, professor do Programa de Mestrado em Bioética no Centro Universitário São Camilo e pesquisador do Comitê de Ética em Pesquisa do mesmo centro. Na ocasião em que seu artigo foi publicado exercia os cargos de Reitor do Centro Universitário São Camilo (na Cidade de São Paulo) e Vice -Superintendente da União Social Camiliana.
[iv] De BARCHIFONTAINE, Espiritualidade nas empresas, p. 302
[v] Idem.
[vi] Ibidem, p. 303.
[vii] Idem.
[viii] Ibidem, p. 304.
[ix] Ibidem, p. 305.
[x] O Terceiro Setor. Em: REBRATES – Rede Brasileira do Terceiro Setor –  acessado em 05/01/2011. http://www.terceirosetor.org.br/quemsomos/index.cfm?page=terceiro
[xi] Um vídeo muito bem bolado sobre esta educação, voltado para a questão ambiental, pode ser visto em: http://www.youtube.com/watch?v=TGb5icWqQNk. Aqui na versão eletrônica deste artigo eu posto pra que você possa assisti-lo.