sexta-feira, 17 de junho de 2011

"Negócio da China" A disciplina como competência emergente

Ôpa!

Depois de uns dias ocupados com formulação de provas e produção de artigos científicos,  esses "ossos do ofício", eis-me aqui novamente para escrever textos menos densos.


No dia 13/05 participamos do painel do Clube do Conhecimento sobre a temática "Disciplina: competência emergente". O objetivo do painel era trazer um olhar tridimensional da Disciplina como competência necessária aos gestores da atualidade. Este texto é uma parte daquilo que compartilhamos na ocasião com os ouvintes do Clube. Também integra um artigo bem maior intitulado: Gestão de pessoas, gestão de relacionamentos ou gestão de conflitos? O administrador em xeque, que sairá publicado na Revista Administração em Debate dentro de alguns meses.


A palavra “disciplina”, quando mencionada em nossa cultura é, em geral, associada a significados restritivos e de subserviência. Num rápido brainstorm, pensemos numa única imagem que defina a palavra disciplina. Salvo raras exceções, a primeira imagem que nos vem é a de um grupo militar em formação ou em marcha.

Na cultura latina, uma cultura na qual a liberdade corporal, verbal e emocional aflora com grande profusão e, em certos casos até com profusão desmedida, disciplina sempre veio vinculada à repressão de comportamento, daí a nossa imagem inicial ser a de um grupo militar em formação e nossa relação com esta palavra ser de certa aversão, até mesmo por conta da memória de opressão que as ditaduras militares imprimiram em nosso continente.

Quando se fala “disciplina” em culturas como a alemã e europeias, em geral, a imagem que virá à mente dessas pessoas provavelmente será a de uma pessoa estudiosa e pesquisadora, com muito compromisso metodológico naquilo que estiver fazendo. Se falarmos a palavra disciplina na Ásia – entenda-se Japão, China, Coréia e Filipinas, só para elencar alguns exemplos que nos serão úteis aqui, a imagem será uma espécie de associação de ambas as visões, porém associada a um rigor comportamental com um nível de intransigência tão grande que aos olhos de um latino pareceria absurdo.

Muitos de nós, latinos, temos chamado os rapazes deste vídeo de "robozinhos", esse foi, inclusive, o apelido que eles ganharam do apresentador de programa de TV famoso em nosso país, que na sua ignorância, não conseguiu perceber que, para os japoneses, esta precisão, esta disciplina, esta coesão de movimentos é algo digno de honra e de prêmio, prêmio conferido aos rapazes, estudantes de educação física depois desta marcha coreografada perfeita.


Essa diversidade de compreensões sobre o conceito se dá pelas diferentes cosmovisões que cada cultura carrega. Logicamente isso afeta um administrador de uma companhia multinacional que será transferido do Brasil para a China, por exemplo. Mas também afetaria o chinês que viesse trabalhar no Brasil. Em tempos de “negócios na China” é muito importante termos isso em perspectiva.

Disciplina vem de dois grupos semânticos de significados. O primeiro é restritivo. Nele disciplina significa sempre observância estrita de regras, disciplina militar, submissão, obediência às autoridades, castigo, mortificação, punição. O segundo campo semântico é o construtivo. Neste grupo, o dicionário nos define disciplina como: sujeição das atividades instintivas às refletidas, é proceder corretamente e não dominado por impulso ou por instinto.

Neste sentido, disciplina tem sido recuperada como uma competência que promove o desenvolvimento de inúmeras atividades. Indisciplina seria, então, o proceder incorretamente e sujeitar as atividades refletidas às instintivas. A consultoria em coaching tem crescido tanto nos últimos tempos justamente por trabalhar a associação da disciplina não com a ideia de falta de liberdade, mas sim como uma alavancadora de grande potência para se atingir objetivos e metas pessoais.

Disciplina enquanto competência exige que sejamos autodidatas em autogestão, exige que conheçamos quem são os atores e seus papeis dentro da organização e, sobretudo, exige um grande nível de autoconhecimento. A disciplina, quando desenvolvida como competência, transforma a pessoa, compromete-a em alto grau com o equilíbrio, com a coerência e com a ética. Os maiores inimigos da disciplina somos nós mesmos pois disciplina é uma certificação da família ISO 9000 para a gestão de qualidade da nossa própria vida, a famosa empresa My Life ltda.

O administrador que não é disciplinado sabota a própria carreira, pois se torna uma antítese das bases do exercício da administração: planejar – organizar – liderar – controlar. A disciplina exige planejamento estratégico (e análise SWOT) sobre a própria vida e carreira e demanda administração por objetivos (APO) sobre as áreas complexas. Exige postura autocrítica, então demanda do administrador uma avaliação 360 graus de si próprio  e monitoramento continuado do próprio desempenho.

Se, no exercício da gestão de pessoas, colocarmos como metas pessoais aquilo que esperamos dos empregados da organização, por certo teremos grande desenvolvimento pessoal no campo da disciplina, e como disciplina gera equilíbrio e coerência a dissonância cognitiva sobre nossa liderança  será minimizada ou até eliminada pois disciplina trabalha profundamente na reabilitação do caráter

Um exemplo muito interessante do quanto a disciplina consegue reabilitar o caráter está no caso do CPDRC – Cebu Provincial Detention and Rehabilitation Center. Byron Garcia, administrador formado e gestor de sucesso no mercado corporativo das Filipinas, a pedido da governadora da província, deixou a carreira empresarial e assumiu a direção do presídio, após uma rebelião que tinha capturado vários reféns menores de idade em 2005. Acredita firmemente que os presídios precisam ser espaços de reabilitação ao invés de punição, e aposta na disciplina como instrumento de reabilitação de caráter que muda a índole dos criminosos. 

Byron desenvolveu um programa extraordinário de exercícios físicos com música que transformou o grupo de 1500 detentos do CPDRC num grande grupo coreográfico. O presídio ganhou projeção internacional, os presos melhoraram a auto-estima pois se perceberam valorosos para a sociedade e a disposição para cooperação e construção de um futuro diferente após o tempo de cumprimento da sentença. O CPDRC tornou-se ponto turístico na cidade de Cebu e atraiu para lá inúmeros repórteres das grandes redes internacionais de notícias como a BBC e CNN quando Byron  mostrou seu trabalho ao mundo. O canal do CPDRC no youtube já recebeu milhões de visitas e o modelo de reabilitação tem sido exportado para outras partes do mundo. 

Fique aqui com um belo clip da música They don’t care about us, de Michael Jackson, produzido pelos detentos do CPDRC.