sábado, 13 de agosto de 2011

Sensibilidade enquanto competência


O administrador do capital humano da empresa vive sobre a corda bamba. Se ele realmente deseja ser um bom gestor de pessoas ele tem que ser humano e humanizador e navega contra a correnteza da mecanicização dos relacionamentos que tanto a pós-modernidade quanto a lógica do mercado nos impõem. É um trabalho de Sísifo.

Em contato com as discussões de grupos profissionais de gestores e de publicações que saem nas revistas se propondo a oferecer dicas aos administradores, nos chama a atenção a quantidade de matérias publicadas que pretendem oferecer chaves para solução de conflitos sem, todavia, ousar tocar no assunto: caráter da pessoa. Recente vimos dois grupos de discussão numa rede social, um sobre temperamento explosivo no ambiente de trabalho e outro intitulado: solidão: o prêmio para a grosseria que bem exemplificam esta questão.

Em recente palestra, Fernando Guimarães[1] provou-nos que a estrutura de gestão de pessoas nas organizações ainda segue o sistema militar de hierarquia impositiva de funções. Ela não tem sido voltada para uma gestão sensibilizadora de seus liderados. O gestor de pessoas tem que: atrair, reter, integrar, motivar e desenvolver pessoas, não apenas recrutar e selecionar. Percebemos então que  a enorme responsabilidade de desenvolver a sensibilidade das pessoas da organização enquanto competência também está sobre o gestor de pessoas. É um árduo trabalho educacional.

A partir das provocações levantadas por Guimarães, fizemos a seguinte reflexão: se a organização enfrenta conflitos de gênero e de gerações, se a geração Y  ocupa a passos largos liderança e se, esta geração, apesar de muito devotada à carreira profissional e ao seu desenvolvimento na organização, é tão ensimesmada que não consegue olhar para o outro, ao lado dele - diferente em gênero, em idade, em valores e em comportamento -  e tentar, junto com ele, desenvolver um bom trabalho, o que podemos esperar da gestão de pessoas dentro dos próximos anos? Como pensar em gestores de pessoas ensimesmados e sem preocupação com alteridade? Como integrar, motivar e desenvolver pessoas com este perfil? Como despertar no ser humano da organização a sensibilidade necessária?

A resposta  passou por perto de algo que já tínhamos percebido e aplicado com sucesso em nossas experiências de gestão de pessoas no terceiro setor: humanizando a organização, sensibilizando a organização, colocando seus participantes em contato programático com o mundo das artes, que fará aflorar a sensibilidade até dos mais endurecidos.

Guimarães nos relatou que conseguira implantar em uma das suas gestões a arte como instrumento de humanização da organização. Em cada empresa que trabalhou de certo tempo em diante, colocou em funcionamento: coral, grupos teatrais,sessões de cinema e todas as formas possíveis de contato das pessoas da organização com o mundo das artes. Esse é um caminho que dá resultado, sensibiliza o ser humano e o torna mais atento às questões da alteridade.

Os Y precisam de mentores, mentores exemplares, não gente que discursa e não pratica o próprio discurso. Ouvimos de um gestor da geração Y o seguinte: “como vamos nos mirar no exemplo destes X e Baby Boomers que não tem compromisso com suas próprias palavras?” Lidar com Y requer estrutura para lidar com duras críticas, ditas na cara, em nome de uma suposta honestidade/franqueza/sinceridade que, ainda que tenham um fundo de verdade, empurram qualquer gestor experiente (mas com auto-estima não trabalhada) para um “espaço existencial” muito desconfortável. Se ele não tiver uma autoestima e um autoconhecimento muito fortes esse gestor experiente ficará semidestruído.

São poucos, também, os gestores X ou Baby Boomers que estão dispostos a encarar a mentoria de alguém na Geração Y. É mais fácil encontrá-los afirmando: "eles são muito cobertos de razão, acham que já sabem tudo". E no fundo, há também poucos Y que acham que precisam ser mentorados, isso é fato. Mas a "segunda milha" precisa ser caminhada pelos dois lados.

Devemos considerar que grande parte deles passou mais tempo na frente do computador, dos video-games e da TV, enquanto crianças, do que se relacionando com outras pessoas. Tato nos relacionamentos não é sua expertise e confundem franqueza com brutalidade, e honestidade com desrespeito.

Nossa constatação é fruto de uma repetição do quadro em vários ambientes organizacionais diferentes num espaço de uns dois anos de observação. Logicamente haverá muitas pessoas que não se enquadram no exemplo citado. Gente difícil é difícil em qualquer fase da vida. Acreditamos que o caminho de construção de relações saudáveis na organização ainda passa pela ternura,obviamente emitida por todos os lados possíveis.

As pressões do cotidiano colocam o gestor de pessoas constantemente em xeque. Sair das situações conflitivas com criatividade cada vez maior, com bons resultados e sem ficar “queimado” durante o processo é o que se espera do administrador de pessoas. Se não formos criativos com as propostas que levamos para a organização, perderemos a oportunidade de construir uma gestão de pessoas relevante para o contexto atual.

Diante de tudo isto nos perguntamos, o papel do gestor de pessoas é administrar pessoas, administrar relacionamentos ou administrar conflitos? Todos três. Separados ou de uma vez. Abertura para o novo, conexão com o que está acontecendo no resto do mundo, na cultura fora da empresa, humanização da organização e espiritualização do ser humano são caminhos possíveis. Basta ter vontade.




[1] Fernando Guimarães atuou como executivo de Recursos Humanos em grandes organizações como Elevadores OTIS, Grupo FIAT, Atlantic, Ipiranga, Suzano além de ter integrado as diretorias do SESI e do SENAI.