Lília Dias Marianno
Empresária e
consultora.
Lilia.marianno@eaglegestao.com.br
Deparei esta manhã com um artigo,
que dizia o seguinte: “Quando você percebe que está sem alternativas, é melhor
recorrer aos seus modelos”.[1]
Ao ler o artigo, constatei que eu concordava
com o autor em diversos pontos, já trabalhados em números anteriores da Elos.
O autor conta que quando exercita
seus ouvintes na lembrança das pessoas que os influenciaram significativamente
suas carreiras ele recebe duas naturezas de respostas. Do público mais maduro:
memórias de professores, pais, antigos chefes. Pessoas experientes, motivadas, sem
medo de transmitir seus conhecimentos, que inspiraram e se tornaram referência.
Do público mais jovem: 1) não se lembravam de ninguém que tivesse exercido este
papel em suas vidas ou 2) confundiam personalidades de sucesso profissional ou
político com verdadeiros mentores (Steve Jobs, Bill Gates, Eike Batista e Lula
eram sempre mencionados).
Por que os Y confundem
personalidades que nunca exerceram nenhuma interferência direta em suas
carreiras com mentores? Pergunto agora a mim mesma e para os líderes da minha
geração (a X) quais pessoas nos inspiraram e por que? Lembro de vários nomes e
sei dizer exatamente por que. Estranho que os Y não tenham esta mesma
facilidade, porque eu, na idade deles, já tinha estes nomes como referência. Constato
que, na falta de mentoria, se baseiam na inspiração!
Na minha experiência com
universitários, percebo que mestres que estão interessados no sucesso
profissional de seus aprendizes, ensinam a fazer, cativam e ainda hoje são
considerados seus mentores, com a mesma força do passado. Parece que está
faltando gente que inspira nas suas lideranças!Nós, líderes X, temos verdadeiro
interesse em inspirar nossos liderados?
A Geração X foi beneficiada por
ter mentores Baby Boomers que gastaram tempo e energia ensinando e motivando.
Era mais focada, sabia empreender esforços para alcançar objetivos. Mas não
sabe ou não está interessada em reproduzir este exemplo nos Y.
Na semana passada tive a grata
oportunidade de ouvir um conferencista sobre vida em família que, há anos, admiro.
Dez anos atrás precisei de sua mentoria e ele foi honesto, íntegro e muito
preciso comigo. Segui fielmente sua orientação e tive sucesso. Agora o
constatei ainda mais: transparente, aberto, vulnerável, disposto ao reconhecimento
dos erros do passado, de suas crises e processos de depressão e, enfim, dos
processos de superação. Depois de ouvi-lo, atender suas convocações é o
procedimento mais natural do mundo.
Ao pensar na maturidade
existencial deste conferencista, me lembro de Brené Brown em sua conferência no
TED sobre “O poder da vulnerabilidade”. Então pergunto: por que a vulnerabilidade
e a transparência são tão necessárias nos processos de mentoria?
Primeiro: o mundo está farto de discursos, a
humanidade carece de exemplos que inspiram e merecem ser seguidos. Líderes
perfeitos que não erram, não nos interessam. Queremos seguir o exemplo daqueles
que foram honestos consigo mesmos para reconhecer seus erros, pedir perdão e
fazer reparação. Quando eu perguntava a meus estudantes o que eles mais detestavam
em seus líderes, não foram poucas as vezes que ouvi: “sua incapacidade de
reconhecer quando está errado!” Exemplos só conseguem ser produzidos quando
temos a capacidade de nos permitirmos sermos vistos lá dentro da alma na hora
do nosso fracasso. É a forma como o superamos que interessa!
Ouvi de um amigo empresário, há
anos trabalhando nos EUA: “Tenho aprendido que as pessoas saudáveis têm um coração
aberto e transparente. Quanto mais a gente se fecha, mas enfermo fica”. Isso me fez recordar de um dito do Celebrando
a Recuperação: “a doença sai pelo falar e a cura entra pelo ouvir”. Transparência segura é capacidade de se expor
para poder ensinar – sempre inspira.
Isso me fez descobrir outra
coisa: quanto mais você tem coragem de ser transparente, mais admiradores você
atrai. Então, segundo: transparência
atrai pessoas autênticas. Pessoas falsas e dissimuladas são repelidas pela
transparência, sentem-se ameaçadas, por isso ficam longe. O compromisso moral de
gente íntegra é ameaçador a pessoas com interesses obscuros. Não foram poucas
as vezes que ouvi de colegas de trabalho “você se expõe demais”. Só que tais
pessoas não estavam interessadas em me proteger de verdade. Estavam, sim,
ressentidas com minha coragem.
Um líder que deseja conquistar a
lealdade e o compromisso de colaboradores mais jovens precisa ser transparente,
ético e vulnerável. Em geral ele atrai gente compatível com ele. Quando ele
acaba sendo demitido por um sabotador que veio na leva dos atraídos, há um
princípio do paradigma da abundância que diz: “há lugar para todos debaixo do
sol!” Gente ressentida e rancorosa, cujo paradigma é a escassez, sabota as
outras. Pessoas seguras e resilientes transformam a sabotagem em oportunidade.
Lembro de um gestor
extraordinário que conheci, duramente sabotado por um liderado mais jovem que,
associado a seu diretor inseguro, provocou sua demissão. Na despedida da empresa
ele disse para o sabotador: “eu tenho trinta anos de carreira e uma bagagem
acumulada que me fará ter sucesso onde quer que eu vá. Tenho pena por você, que
mal iniciou sua carreira e já está fazendo péssimas escolhas”. O gestor
demitido, depois deste episódio, alavancou uma carreira, que ficou reconhecida
internacionalmente. O diretor inseguro e o sabotador estão até hoje no mesmo
lugar, pensando que para ter oportunidade precisam tirar o outro do caminho,
vivendo no mesquinho paradigma da escassez.
Não há garantias de que não
sermos desapontados no processo. Queremos evitar as emoções e surpresas desagradáveis
que ocorrem quando estamos desenvolvendo alguém. Mas só conseguiremos abstrair
emoções desagradáveis quando também abstrairmos as agradáveis. Pessoas que preferem
não correr riscos emocionais se tornam espiritualmente miseráveis, sem
essência, coisificam pessoas e humanizam coisas. São líderes instáveis,
desequilibrados, aterrorizados com a obrigação de terem que estar sempre
certos, quando falham, encobrem seus erros, são intransigentes, inflexíveis,
centralizadores, doentios, enfim, opressores.
O mentor saudável se ocupa em
acreditar na capacidade de realização do liderado. Não se sente ameaçado por
seu potencial, por isso deseja integrá-lo e desenvolvê-lo. Será capaz de
relevar a humanidade de ambos no processo ao invés de puni-lo por cada erro. Se
errar, saberá pedir perdão e fazer reparação. Será grata e positivamente
emocionado quando esta pessoa se tornar um profissional bem-sucedido por causa
da sua mentoria, sairá gratificado!
Nem toda nossa generosidade será
corretamente compreendida, mas sem dúvida alguma, se a praticarmos nos tornaremos
líderes mais generosos e gentis, conosco mesmo e com os outros.
Líderes X: mentoreim! É
impossível não inspirar pessoas vivendo de maneira autêntica!
Originalmente publicado como
Lília MARIANNO. Paradigma da escassez ou da abundância na sua liderança? Em: Elos. Rio de Janeiro: Associação Recriar, Ano 02, n. 17, Julho-Agosto de 2014, [enviado para publicação – s.p.]
[1]
Para ter acesso ao texto original de Sidnei Oliveira: http://exame.abril.com.br/rede-de-blogs/sidnei-oliveira/2014/05/27/cade-o-meu-mentor/