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Lília MARIANNO. Autogestão: desafio para todos nós. Em: Elos. Rio de Janeiro, Associação
Recriar. Ano 03, n. 18, Setembro-Outubro 2014, p. 36-38.
Lília
Marianno
Administradora,
professora e empresária.
Lilia.marianno@eaglegestao.com.br
Um tempo atrás me convidaram para participar de um painel intitulado:
Disciplina – competência emergente. O objetivo do painel era oferecer um olhar
tridimensional sobre a Disciplina como competência imprescindível aos atuais
gestores. Na minha participação, compartilhei alguns tópicos elementares que
quero recuperar neste momento para, então, avançar.
1.
Se fizermos um “brainstorm” com nossos próprios
“botões”, pensando numa imagem que defina disciplina, pensaremos num grupo
militar em formação ou marcha, com raras exceções.
2.
Disciplina vem de dois grupos semânticos de
significados. O primeiro é restritivo. Nele disciplina significa observância
estrita de regras, disciplina militar, submissão, obediência às autoridades,
castigo, mortificação, punição.
3.
O segundo campo semântico é o construtivo. Neste
grupo, o dicionário nos define disciplina como: sujeição das atividades instintivas às refletidas. É proceder
corretamente e não dominado por impulso ou por instinto. Por eliminação, indisciplina seria, então, o
proceder incorretamente e sujeitar as atividades refletidas às instintivas.
5.
W. Douglas afirma: “o ser humano, principalmente
o latino, tem certa resistência a qualquer coisa que lhe pareça ato de
autoridade ou controle”. Na nossa cultura, a Disciplina sempre é associada com repressão
comportamental.
6.
Em culturas europeias como a alemã, a noção de
Disciplina é associada a estudo, pesquisa, compromisso metodológico e
diligência dedicada em concluir projetos árduos.
7.
Em qualquer país asiático, além de todas estas
noções europeias, devemos acrescentar as concepções de compromisso moral, dever social, honra e respeito associadas à "disciplina".
Uma vez exibi numa
de minhas turmas, um vídeo de estudantes
de Educação Física japoneses participando num torneio de “caminhada”. Coreografada,
sincronizada, perfeita, nenhuma falha de movimentos, trabalho de treinamento
árduo, impecável. As equipes eram grandes, mas
nada seria possível se os participantes não possuíssem valores muito
mais intensos como honra e dever moral entranhados em suas atitudes. Obviamente,
meus alunos brasileiros, perplexos com a perfeição dos japoneses, desdenharam
dos estudantes rotulando-os de “robozinhos”, copiando um famoso apresentador de
TV, inclusive em sua alienação cultural.
Nossos jovens
universitários sonham em ter carreiras profissionais de projeção, com oportunidades
no exterior. Despencam sobre programas de intercâmbio estudantil acreditando
tratar-se de fórmulas mágicas para contratações vantajosas, esquecendo-se que
gestores de recursos humanos de empresas multinacionais são profissionais
altamente treinados para reconhecer pessoas trabalháveis e adaptáveis a partir
do primeiro contato. Nosso atraso cultural nos mostra o quão precários somos
nas questões da aprendizagem globalizada.
Adaptabilidade vem
acompanhada de flexibilidade, característica que dificilmente consegue ser
exercida sem grande disposição para ouvir o outro e compreendê-lo como ele é,
dentro do seu contexto, de sua história, de sua cultura. Estas competências também precisam constar no currículo enquanto
experiência e não como meros substantivos. Gestores, irredutíveis, com
inteligência emocional desorganizada para disciplina e autoconhecimento, que
não negociam, que querem exercer sua cidadania atropelando quem pensa diferente,
não têm muito futuro nas relações globalizadas.
Em tempos de
“negócios” literalmente “da China” (e que ninguém pense que estou me referindo
à homônima novela de anos atrás), nos quais a Ásia tem levado grande vantagem
econômica sobre o Ocidente, devíamos prestar mais atenção nos modelos que
chegam de lá. Os Tigres Asiáticos transformaram suas economias em poucas
décadas e agora ocupam os espaços econômicos das grandes potências do primeiro
mundo. A Disciplina destes povos também evoca Resiliência. Que valores morais
levaram estas nações a se reinventarem a partir dos anos 60?
Disciplina enquanto
competência exige que sejamos autodidatas na autogestão e tenhamos grande nível
de autoconhecimento, de adaptabilidade, de compromisso, principalmente com o
equilíbrio, com a coerência e com a ética. Os maiores inimigos da disciplina
somos nós mesmos. Os coaches enriquecem ensinando pessoas dispersas e
indisciplinadas a controlarem as rédeas de suas vidas, por que será?
Se priorizarmos a
disciplina enquanto competência, também trabalharemos na reabilitação do
caráter, nosso e de nossos liderados, pois disciplina exige planejamento
estratégico, administração por objetivos, postura autocrítica, avaliação 360
graus continuada sobre si próprio e monitoramento continuado do próprio
desempenho.
Deparei com a
impressionante experiência de Byron Garcia no CPDRC – Cebu Provincial Detention
and Rehabilitation Center, Filipinas (procure no Youtube por CPDRC). Acreditando
que a disciplina promove reabilitação do caráter e com profunda consciência
ética fundamentando seu trabalho, após ser bem sucedido no controle de uma
rebelião prisional, a pedido de sua irmã, a governadora da província de Cebu,
abandonou a carreira de sucesso no mundo empresarial e veio dedicar-se à
administração do presídio. Byron acreditava firmemente que os presídios
precisam ser espaços de reabilitação ao invés de punição, e apostou na
disciplina como instrumento de reabilitação para a mudança das índoles dos
criminosos. Desenvolveu um programa extraordinário de exercícios físicos com
música que transformou o grupo de mil e quinhentos detentos do CPDRC num grande
grupo coreográfico.
O CPDRC tornou-se
ponto turístico na cidade de Cebu e para lá afluíram inúmeros repórteres internacionais
de grandes redes de notícias como a BBC e a CNN e Byron finalmente mostrou seu
trabalho ao mundo, inspirando a reabilitação em outros presídios que passaram a
importar seu modelo. Os presos do CPDRC construíram autoestima, perceberam-se
como agentes de benefício para sociedade, que ficara famosa por causa deles,
perceberam seu valor e mudaram a disposição e cooperação para construírem um
futuro diferente para eles mesmos.
Recente, trabalhando
com textos de William Douglas, fiquei gratamente feliz por constatar quantos
princípios bíblicos amparam o trabalho deste juiz federal e professor
universitário. Textos bíblicos permeiam todas as páginas de seus escritos sobre
Direito e Magistratura.
De onde gente como
Byron Garcia ou William Douglas tira tal inspiração?
“Melhor é o longânimo do que o valente, e o que controla o
seu ânimo do que aquele que toma uma cidade”. (Pv 12,32) Isto não é disciplina?
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