segunda-feira, 1 de setembro de 2014

Autogestão: desafio para todos nós

Publicado em:

Lília MARIANNO. Autogestão: desafio para todos nós. Em: Elos. Rio de Janeiro, Associação Recriar. Ano 03, n. 18, Setembro-Outubro 2014, p. 36-38.

Lília Marianno
Administradora, professora e empresária.
Lilia.marianno@eaglegestao.com.br

Um tempo atrás me convidaram para participar de um painel intitulado: Disciplina – competência emergente.  O objetivo do painel era oferecer um olhar tridimensional sobre a Disciplina como competência imprescindível aos atuais gestores. Na minha participação, compartilhei alguns tópicos elementares que quero recuperar neste momento para, então, avançar.

1.      Se fizermos um “brainstorm” com nossos próprios “botões”, pensando numa imagem que defina disciplina, pensaremos num grupo militar em formação ou marcha, com raras exceções.

2.      Disciplina vem de dois grupos semânticos de significados. O primeiro é restritivo. Nele disciplina significa observância estrita de regras, disciplina militar, submissão, obediência às autoridades, castigo, mortificação, punição.

3.      O segundo campo semântico é o construtivo. Neste grupo, o dicionário nos define disciplina como: sujeição das atividades instintivas às refletidas. É proceder corretamente e não dominado por impulso ou por instintoPor eliminação, indisciplina seria, então, o proceder incorretamente e sujeitar as atividades refletidas às instintivas.

5.      W. Douglas afirma: “o ser humano, principalmente o latino, tem certa resistência a qualquer coisa que lhe pareça ato de autoridade ou controle”. Na nossa cultura, a Disciplina sempre é associada com repressão comportamental.

6.      Em culturas europeias como a alemã, a noção de Disciplina é associada a estudo, pesquisa, compromisso metodológico e diligência dedicada em concluir projetos árduos.

7.      Em qualquer país asiático, além de todas estas noções europeias, devemos acrescentar as concepções de compromisso moral, dever social, honra e respeito associadas à "disciplina".

Uma vez exibi numa de minhas turmas, um vídeo de  estudantes de Educação Física japoneses participando num torneio de “caminhada”. Coreografada, sincronizada, perfeita, nenhuma falha de movimentos, trabalho de treinamento árduo, impecável. As equipes eram grandes, mas  nada seria possível se os participantes não possuíssem valores muito mais intensos como honra e dever moral entranhados em suas atitudes. Obviamente, meus alunos brasileiros, perplexos com a perfeição dos japoneses, desdenharam dos estudantes rotulando-os de “robozinhos”, copiando um famoso apresentador de TV, inclusive em sua alienação cultural.

Nossos jovens universitários sonham em ter carreiras profissionais de projeção, com oportunidades no exterior. Despencam sobre programas de intercâmbio estudantil acreditando tratar-se de fórmulas mágicas para contratações vantajosas, esquecendo-se que gestores de recursos humanos de empresas multinacionais são profissionais altamente treinados para reconhecer pessoas trabalháveis e adaptáveis a partir do primeiro contato. Nosso atraso cultural nos mostra o quão precários somos nas questões da aprendizagem globalizada.

Adaptabilidade vem acompanhada de flexibilidade, característica que dificilmente consegue ser exercida sem grande disposição para ouvir o outro e compreendê-lo como ele é, dentro do seu contexto, de sua história, de sua cultura. Estas competências  também precisam constar no currículo enquanto experiência e não como meros substantivos. Gestores, irredutíveis, com inteligência emocional desorganizada para disciplina e autoconhecimento, que não negociam, que querem exercer sua cidadania atropelando quem pensa diferente, não têm muito futuro nas relações globalizadas.

Em tempos de “negócios” literalmente “da China” (e que ninguém pense que estou me referindo à homônima novela de anos atrás), nos quais a Ásia tem levado grande vantagem econômica sobre o Ocidente, devíamos prestar mais atenção nos modelos que chegam de lá. Os Tigres Asiáticos transformaram suas economias em poucas décadas e agora ocupam os espaços econômicos das grandes potências do primeiro mundo. A Disciplina destes povos também evoca Resiliência. Que valores morais levaram estas nações a se reinventarem a partir dos anos 60?

Disciplina enquanto competência exige que sejamos autodidatas na autogestão e tenhamos grande nível de autoconhecimento, de adaptabilidade, de compromisso, principalmente com o equilíbrio, com a coerência e com a ética. Os maiores inimigos da disciplina somos nós mesmos. Os coaches enriquecem ensinando pessoas dispersas e indisciplinadas a controlarem as rédeas de suas vidas, por que será?

Se priorizarmos a disciplina enquanto competência, também trabalharemos na reabilitação do caráter, nosso e de nossos liderados, pois disciplina exige planejamento estratégico, administração por objetivos, postura autocrítica, avaliação 360 graus continuada sobre si próprio e monitoramento continuado do próprio desempenho.

Deparei com a impressionante experiência de Byron Garcia no CPDRC – Cebu Provincial Detention and Rehabilitation Center, Filipinas (procure no Youtube por CPDRC). Acreditando que a disciplina promove reabilitação do caráter e com profunda consciência ética fundamentando seu trabalho, após ser bem sucedido no controle de uma rebelião prisional, a pedido de sua irmã, a governadora da província de Cebu, abandonou a carreira de sucesso no mundo empresarial e veio dedicar-se à administração do presídio. Byron acreditava firmemente que os presídios precisam ser espaços de reabilitação ao invés de punição, e apostou na disciplina como instrumento de reabilitação para a mudança das índoles dos criminosos. Desenvolveu um programa extraordinário de exercícios físicos com música que transformou o grupo de mil e quinhentos detentos do CPDRC num grande grupo coreográfico.


O CPDRC tornou-se ponto turístico na cidade de Cebu e para lá afluíram inúmeros repórteres internacionais de grandes redes de notícias como a BBC e a CNN e Byron finalmente mostrou seu trabalho ao mundo, inspirando a reabilitação em outros presídios que passaram a importar seu modelo. Os presos do CPDRC construíram autoestima, perceberam-se como agentes de benefício para sociedade, que ficara famosa por causa deles, perceberam seu valor e mudaram a disposição e cooperação para construírem um futuro diferente para eles mesmos.

Recente, trabalhando com textos de William Douglas, fiquei gratamente feliz por constatar quantos princípios bíblicos amparam o trabalho deste juiz federal e professor universitário. Textos bíblicos permeiam todas as páginas de seus escritos sobre Direito e Magistratura.

De onde gente como Byron Garcia ou William Douglas tira tal inspiração?


“Melhor é o longânimo do que o valente, e o que controla o seu ânimo do que aquele que toma uma cidade”. (Pv 12,32) Isto não é disciplina?

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